24 de agosto de 2014

Valores da Pintura Portuguesa - ANTÓNIO SOARES



     Dentre os novos que travaram a cruel batalha da arte, em Portugal, António Soares pode ser considerado um vencedor.
     E nada mais difícil do que vencer pela arte, entre nós.
     Falamos em batalha e o termo não é exagerado: batalha inglória, surda, em que se luta contra um inimigo covarde, que se esconde, que se esfuma na apatia do meio.
     Fazer arte num país onde os artistas são apenas tolerados, onde as exposições não conseguem sacudir a sonolência do público, indiferente, quase hostil, de um público que vive ainda a idade da oleografia barata, é travar uma batalha heróica em que só se mantêm aqueles para quem a arte é uma segunda essência da sua personalidade.
     Sendo um novo, quer pela sua mocidade quer pela sua técnica, António Soares tem já um passado brilhante a atestar o seu labor.
     A pintura de Soares, ultimamente galardoada com a Medalha de Oiro(a) do Salão da Primavera, oferece uma personalidade indiscutível.
     As telas de Soares são unidades sólidas, são valores independentes da escala que o artista traçou, numa visão firme da sua tarefa.
     À pintura de António Soares cabe uma missão, a de demonstrar com veemência, a personalidade, o querer do seu autor. É que Soares é um dos raros pintores, que não titubeiam, que sabem o que querem e ao que vêem.
     Pelo seu processo, pela sua "maneira", Soares sublinha curiosamente a intenção das suas telas, flagrantes, incisivas, modelares.
     A côr não é, para António Soares, a finalidade exibicionista dos que disfarçam a impotência criadora sob a abundância cromática, a côr é para António Soares, unicamente, a veste garbosa de uma intenção espiritual.
     As suas telas representam sempre audaciosas revelações anímicas, análises profundas da verdade que se esconde sob a forma; Soares é um dos raros artistas que compreendem os seus modelos, que travam com êles o diálogo curioso e apaixonado que se traduz na estilisação dum carácter ou duma personalidade.
     Os seus retratos, vivos, intencionais, cheios de observação psicológica, são já uma gloriosa galeria que por si só basta para firmar um nome de artista.
     Os retratados de António Soares vivem na tela a vida espiritual que ocultam, na vida real, sob a máscara apagada do hábito.
     Nas colunas do «A B C» encontrará sempre António Soares o apoio fiel dos seus camaradas de luta, que no terreno ingrato do papel impresso trabalham para o mesmo fim, e que acompanham carinhosamente a sua tarefa brilhante.
     A. C.
in «A B C», Maio de 1929

(a) Salão da Primavera da Sociedade Nacional de Belas Artes (SNBA), de 1929, onde António Soares havia ganho a Medalha de Oiro pelo seu "Retrato de uma bailarina - Natacha"

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