24 de agosto de 2014

O "Prémio Diário de Notícias" foi atribuído, este ano, ao Pintor António Soares



          O júri encarregado de atribuir o "Prémio Diário de Notícias", na importância de 30.000$00 resolveu, este ano, consagrar uma obra nacional de arte plástica referente aos dois últimos anos. O nome do escolhido, o grande pintor António Soares, foi ontem proclamado no decurso de um almoço realizado nesta Redacção.
          
          O prémio que tem sido concedido a escritores como Fidelino de Figueiredo, Mário Beirão e José Régio, já distinguiu também alguns valores actuais das artes plásticas, como o escultor Martins Correia, e o arquitecto Keil do Amaral. Este ano foi decidido galardoar um pintor. O nome de António Soares foi, em várias sessões do júri, o indicado, como já dissemos, para receber o prémio. 

          A obra e a figura de António Soares ocupam, com efeito, no panorama da vida cultural e social portuguesa do nosso século, um lugar de assinalado relevo. Personalidade inconfundível, alheia aos apelos e motivações das várias e efémeras correntes estéticas que se têm processado após o impressionismo, apenas com a consciência plena dos caminhos e perspectivas que se enquadram na morfologia do nosso tempo, logo ao despontar para o mundo das artes no ano quase longínquo de 1913, António Soares, ao lado de Almada Negreiros, Jorge Barradas, Stuart de Carvalhais, Canto da Maia, Cristiano Cruz e outros mais, conquistou tal posição que, dentro em breve, passou a ser considerado, tanto pela crítica como pela opinião pública, como uma das colunas mestras da pintura portuguesa contemporânea.

          Através de alguns milhares de trabalhos em pintura a óleo, desenho à pena, a lápis e a carvão guacho, com a discreta e emotiva elegância e originalidade que lhe foram sempre peculiares, interpretou, nos seus aspectos mais vivos e flagrantes, uma notabilíssima série de imagens, costumes e tradições e vivências que é muito difícil encontrar paralelo. Lisboa e Paris, principalmente ao serem evocados pelo seu traço vigoroso e livre, prodigioso de conjugações cromáticas, ressurgem, esplenderosamente, em suas requintadas intimidades e na plena pujança das suas fisionomias cheias de encanto e de surpresa. A graça, o enlevo, a sentimentalidade apurada e sóbria, constituem o seu permanente objectivo e diálogo. Como cenarista, arquitecto decorador de filmes e ilustrador de muitas dezenas de livros, evidenciou também os seus altos méritos. Em todas estas modalidades a sua aristocrática sensabilidade procurou sempre criar diferentes processos de realização formal e conceptual, circunscritos a um âmbito de civilização e bom gosto, à altura dos grandes padrões europeus.

          Independentemente da sua participação em numerosas exposições colectivas, já apresentou desde 1913, em Lisboa e no Porto, dezassete exposições individuais. A última efectuada em Dezembro do ano findo na capital do Norte, abrangeu um conjunto de trabalhos, pertencentes ao período da sua juventude, o qual veio realçar, além de outros predicados, a qualidade de extraordinária antecipação da maior parte dos rumos e tendências presentemente adoptadas.

          António Soares que está representado em Portugal nos Museus Nacional de Arte Contemporânea, Soares dos Reis, do Caramulo e José Malhoa, nos palácios Nacional de Queluz e da Assembleia Nacional, gabinetes dos presidentes do Conselho e da Câmara Corporativa e nos Paços Patriarcal de Lisboa e Ducal de Vila Viçosa, possui, também, inúmeras obras nas grandes colecções particulares do nosso país e do estrangeiro. Em 1937, juntamente com Picasso, Vlamick, Dufly, Van Dongen, Maurice Denis, E. Vuillard e Dunoyer de Segonzac, foi contemplado na Exposição Internacional de Paris com o "Grand Prix" de Pintura. Tomou também parte noutros importantes certames, nomeadamente, nas exposições internacionais de Vincennes e Artes e Técnicas de Paris, em 1929 e 1937 respectivamente; Feira Mundial de Nova York em 1939; no pavilhão de Portugal, com a pintura mural "Os Mareantes"e, convidado por Mr. Thomas Watson expôs o quadro intitulado "Portugal my Country", no Pavilhão das Ciências e das Artes; na primeira Bienal de S. Paulo e, em 1952, no Ateneu de Sevilha.

          A sua actividade plástica que já havia merecido artigos e ensaios da autoria de Júlio Dantas, Adriano de Gusmão, Alfredo Pimenta, Correia da Costa e Sousa Pinto, sempre que surgiu em terra estrangeira foi também longamente apreciada e nos termos mais honrosos, tanto para o artista, como também para Portugal.

          Desde longa data António Soares que ascendeu por seus amplos e afirmativos recursos à categoria de Mestre insígne da pintura do mundo do nosso tempo, tem sido distinguido por galardões da maior projecção e significado como: prémios Columbano em 1935 e 1948; várias Medalhas de Ouro em Desenho e Pintura nas expposições da Sociedade Nacional de Belas Artes, e Medalha de Honra da Grande Exposição Internacional de Nova York, em 1939. Foi condecorado pelo Governo Português com o oficialato de Santiago de Espada em 1958 e eleito, por unanimidade, em 1961, vogal da Academia Nacional de Belas Artes.

in DIÁRIO DE NOTÍCIAS, a 3 de Março de 1962

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