8 de fevereiro de 2013

SAGITÁRIO...

Um desenho lindíssimo (a) que esteve na génese da criação de uma "SAGITÁRIO - REVISTA PORTUGUESA DE ARTE E CRÍTICA", que nunca viu a luz do dia.

Esta foi, assim, a ideia base para a criação deste blogue...

(a) excerto do original

Natacha - Retrato de uma Bailarina


Considerada por José-Augusto França a obra-prima de António Soares, este "Retrato de uma bailarina", "Natacha", "Retrato de uma bailarina russa" ou simplesmente "Retrato", designações da mesma obra em diferentes Catálogos de exposições individuais e colectivas, é uma têmpera sobre tela datada de 1928. Foi com esta obra que Mestre António Soares obteve o seu 1º Prémio de Desenho da XXVI Exposição de arte na SNBA - Sociedade Nacional de Belas Artes, em 1929. (a)

Adquirida pela Fundação Calouste Gulbenkian ao coleccionador e empresário Fernando Seixas - que a adquiriu para evitar que fosse levada para a América Latina por um outro coleccionador particular - mais tarde vem a pertencer ao acervo inicial da colecção de obras do Modernismo do Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão - inaugurado em 1983. Hoje em dia, faz parte da colecção permanente deste precioso espaço museológico, detentor de um importante acervo de obras de Mestre António Soares.

Sendo precisamente considerada uma das obras mais carismáticas quer do autor, Mestre António Soares, quer do Movimento Modernista Português, não esteve presente na exposição "O Modernismo Feliz - Art Déco em Portugal" do MNAC - Museu do Chiado em 2012, simplesmente por se encontrar nesse segundo semestre de 2012, em período de manutenção. Mas foram cedidas outras obras da colecção do CAMJAP, assim como de outros espaços museológicos do país.

Esta bailarina "russa", mais precisamente, estoniana, Natacha Baltina, esteve em Portugal com a Companhia de Bailado de S. Petersburgo. Acabou por se apaixonar e casar com um membro do corpo Diplomático da Embaixada de Cuba em Lisboa, o diplomata Eduino Mora. A amizade que teve início na pintura do retrato prolongou-se durante muitos anos, entre as duas famílias, e o casal, sem filhos, manteve visitas regulares a Portugal e à família António Soares. Quando morre, anos mais tarde, Natacha vem a ser enterrada em Lisboa.

(a) in "O Notícias Ilustrado", pág.8 de 26 de Maio de 1929, artigo de Augusto Ferreira Gomes: "(...) Desde os desenhos assinados simplesmente António - já lá vão 15 anos - até à tela que esta época expôs nas Belas Artes - trabalho este demonstrativo de conhecimentos profundos de pintura - (...) António Soares pode orgulhar-se de ser um grande pintor em qualquer parte do mundo(...)", 1ª. medalha em "Desenho" com o quadro "Natacha".

António Soares traz à pintura portuguesa uma expressão nova de beleza

por Artur Portela

Valeu a pena este silêncio de catorze anos! Dir-se-ia que o talento de António Soares no isolamento, na ascese e até mesmo na contradição, atingiu a plenitude criadora. Durante esse tempo, o artista como que requintou a sua maneira, descobrindo novas refulgências de beleza, novos acordes de tonalidades, novas expressões de beleza. Esta sua exposição (9ª exposição individual), seja qual fôr o prisma crítico, é um notável acontecimento artístico.

António Soares como que criou o seu mundo, numa síntese admirável de formas e de côres. Através da sua sensibilidade, tão finamente espiritual, que sabe converter a realidade em sonho, António Soares alarga, de certa maneira, as fronteiras da escola estética em que nasceu, para lhe dar uma realidade eloquente. Por outras palavras mais simples: todas as experiências, aquisições, e "recherches" do modernismo, decantados pela sua maneira, traduzem-se em extraordinários conceitos plásticos, de serenidade ideal, que acusam ou vibram, com o toque maravilhoso da obra prima. Evidentemente que nem todos os seus quadros apresentados são dum significado igual. Mas a maior parte, a grande parte, devemo-la considerar indiscutível.

António Soares é um complexo bizarro e rico de valores. A sua pintura, tão aliciante, tanto nos evoca a graciosidade "mievre" dos grandes artistas do século XVIII - e, nomeadamente, dum Watteau estilizado, como as extraordinárias sugestões de côr, dos cenários dos bailarinos russos, quando Nijinsky dançava pelo mundo. Esta galeria é, sobretudo, uma alta manifestação de pura espiritualidade. Um grande músico pintaria como Soares, convertendo as notas em magias cromáticas. As suas mulheres têm a aristocracia, a raça, a elegância, a finura e a distinção dos tipos excelsos que abrem novos paradigmas à beleza. Dentro daquela maneira que revela uma personalidade, é impossível fazer-se melhor. António Soares como que se resgata da sua misantropia, obtendo uma vitória clamorosa e definitiva. Supomos que o artista não pinta sobre tela, mas num pano especial, ligeiramente, tinto, cuja superfície suave, macia, dá mais fluidez aos pincéis e funde melhor os valores da paleta. Havia que elogiar muito, quasi tudo, desde a "Natacha", que define um singular tipo de mulher de olhos errantes e nostálgicos, até as suas naturezas mortas, tocadas com subtil preciosidade. O "Camarim" é uma autêntica maravilha, ante a qual os olhos ficam tontos de assombro, de emoção. É, simplesmente, lindo, aquele "boudoir" em que a figura tem alguma coisa de floral. "Bailado Romântico" é duma extraordinária, duma enfeitiçada magia de tinta. As duas figuras, entre rompimentos de luz sobria e surda, traçam uma admirável parábola. "Composição" é outra obra a destacar. António Soares transpôs, se não renovou, a técnica dos Gobelins, mas pintor sempre, deu-lhe uma expressão de suprema elegância decorativa. "Vindimadora", "Alto Longo", "Entre Bastidores", "Atrás do Rompimento" são, entre outros, obras que fixam a perfeição que António Soares atingiu.

Um grande pintor e uma grande obra. Estamos certos de que, no salão da Rua Ivens, Lisboa teve, ocasionalmente, uma verdadeira sala de museu.

in DIÁRIO DE LISBOA, 1944